A CIGANINHA
Chamavam-lhe Ciganinha, com inquieto interesse, pôs a quem o caso, ficara a pungente escolha de signo, cor preferida, amuleto de sorte e cinco cobres a contar com o demônio na cama para fazer suas trapaças.
Longe sendo uma mulata mestiça, bela voz, veio com pouco trabalhar, como dama a remexer distinções. Cada vez em fantasmagórica visita, declamava versos de amor, dos resolutos e inventados.
Como calor do que não é. Levada aos numerosos antagonistas. Não seria ela uma infiel? É voz corrente. Que o vinho molda o tonel, e o vício contorna o saibro. Ao declamado arquitetou por sua chegada, pesadas pálpebras.
Em meio das faces escarlates, beiços rubros, estremecimentos repetidos por tortuosas trilhas, sente-se que febre, não havia, de desalento e caricias. Já os aconchegos doces, convencidos, estavam afeitos à ceia.
Com lânguido suspiro de arraial, poderia ela supor?... Nunca!... Uma coisa ruim, esta caceteação!... Era o tempo do cio. Embora não por afãs de travessuras. Banhava-se diariamente, sim, mas sozinha, à presença de cenários.
Ela era grata desses alegres compassos, palácio no afã, onde faz sentido se embaterem. Hálitos amenos de outono a verão. Ficou como que sumida entre doces árvores. Esgalgada, pés no desenrolar geral, uma pombinha.
Brasa de sua idade, dolorosa eloqüência, alcovas cheias de musica saltitantes, peça lúgubre, a dobrar a referida escrava, obrigada como se fosse dele, corria da palavra dentro do seu escárnio, embora pontuada de castigos.
E a expiação seria essa? A Ciganinha atravessou o povoado, sossegada, metida consigo mesma, tal uma família, regressando do exílio, que se esgrimia exaltada, à unha? Brincaram perto de saber, ao gosto.
Os dias atropelam-se. Houve augúrio de especial qualidade, quais vivessem todos, no trampolim da ternura. Aguaceiros. Ruas de alegria. Zíperes estraçalhados. Orvalho na letargia do ar. Manhãs de sol à pino.
O sono procede, mas não se escusa. Repete como que em louca busca e só encontra, ao despertar, o marasmo. Não seria de fato? O relâmpago da desconfiança, com sua bela cabeleira loira, vindo nos emancipar em alforria?
Beto Palaio
2 comentários:
Bravo, Beto!
Você é um mago: faz passes magníficos com palavras ...
Abraço
Zélia, muito grato a você...
Abraço
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