O Equilíbrio da Vida (TAO)


O excesso de luz cega a vista.


O excesso de som ensurdece o ouvido.

Condimentos em demais estragam o gosto.

O ímpeto das paixões perturba o coração.

A cobiça do impossível destrói a ética.

Por isso, o sábio em sua alma

Determina a medida de cada coisa.

Todas as coisas visíveis lhe são apenas

Setas que apontam para o Invisível.



(Tao-Te King, Lao-Tsé)




terça-feira, 9 de novembro de 2010

Um poema de Anne Sexton.



CINDERELA

(Anne Sexton)


A gente sempre lê sobre eles.
Encanadores com uma dúzia de filhos,
Mas que, na Irlanda, ganharam na Loteria.
E dos canos sórdidos ancoraram na fartura.
Mas que estória!

Ou daquela copeira
Um pitéuzinho sexy da Dinamarca
Que seduziu o coração do primogênito
E zarpou da diáspora para o Dior.
Mas que estória!

Ou do leiteiro que serve saudáveis,
Ovos, creme, manteiga e yogurte.
Cujo furgão branco lembra uma ambulância.
Acertou nos investimentos imobiliários
Fez a América e saiu dos homogeneizados
Direto para um Martini como saideira.

Ou da arrumadeira
Que estava num ônibus que capotou
E se locupletou com a seguradora
Do espanador à caixa de bombons sortidos.
Mas que estória!

Uma vez,
A mulher de um milionário estava nas últimas
Então disse para sua filha Cinderela
Seja íntegra. Seja correta. Então feliz te assistirei
A sorrir, diretamente de uma saleta nas nuvens.
Mas o tal ricaço arranjou uma outra esposa
Que tinha duas filhas, também lindas,
Mas providas de caráter sórdido.
Cinderela virou a empregada da casa
Ela, a escrava, dormia no sótão e sofria quietinha.
Seu pai encheu a casa de presentes,
Para as forasteiras deu jóias e vestidos.
Cinderela só ganhou uma muda de árvore.
Ela plantou aquela muda no túmulo de sua mãe,
Uma bela árvore cresceu para aninhar uma pomba
Tudo o que ela queria aquela pomba lhe dava,
Na forma de um ovo jogado ao chão.
Ah, meus caros, os pássaros são peculiares,
Por isso observe-os!

Em seguida veio o baile, isso vocês já sabem,
Era um baile para casamentos arranjados,
Onde certo príncipe procurava o seu par.
E as tais estavam no ponto, menos Cinderela,
Elas se vestiram com pompa para o evento.
Para ir à festa, Cinderela chegou a implorar.
A madrasta então jogou, na cara de Cinderela,
Uma panela de lentilhas, e disse: “Apanhe-as,
Depois espere algumas horas, e depois vá...”.
A sua pombinha de estimação lhe apareceu
Trazendo consigo seus amiguinhos alados
Para ajudarem-na a recolher as lentilhas.
E todo consolo que recebeu da madrasta foi:
“Não, Cinderela, você não poderá ir não...
E nem mesmo tem um vestido de baile”.

Cinderela foi até a árvore junto ao jazigo
E, tal uma líder evangélica, bradou:
“Mama! Mama! Cadê a minha pombinha?
Peço a ela para me levar ao Baile Real”.
O pássaro lhe jogou um vestido dourado
E dois belos sapatinhos de cristal...
Quanta encomenda para um só pássaro!
Então ela foi ao baile. Isso todos sabem
Nem a sua madrasta, nem as irmãzinhas,
A reconheceram em sua tórrida estréia.
E o príncipe surpreso a tomou pelas mãos
E bailou com ela todas as contradanças.

A noite avançou e Cinderela achou melhor
Voltar para casa. O príncipe quis cortejá-la
Trazendo-a de volta, mas ela desaparecera,
Sumindo dentro de uma casa de pombos.
Embora o príncipe arranjasse um machado
E partisse o pombal em mil pedaços
Nada encontrou, pois ela voltara a ser ralé.
Duraram mais três dias os eventos reais.
Assim, no terceiro dia, o príncipe selou
Todas as saídas com um visgo grudento.
E um dos sapatos de cristal grudou ali.
Agora ele tinha uma evidência para seguir.
E saiu para localizar em que pé aquilo servia.
Com isto descobriria sua secreta dançarina.
Bateu naquela mansão e as duas irmãs
Ofereceram-lhe seus amáveis pézinhos.
A mais velha surgiu com toda esperança
Tentou de todo jeito caber no sapatinho.
O príncipe manteve-se distante até que
Uma pombinha branca lhe fez notar
O grau do inchaço no pé da pretendida,
E que a cobiça é uma ameaça universal,
Pois com a outra irmã não foi diferente.
O príncipe se sentia um vendedor de sapatos.
Mas ficou por ali até que Cinderela o provasse.
E adentrasse no sapato como a uma luva.

Depois, na cerimônia de casamento,
As duas irmãs vieram fingindo submissas
Mas a pomba branca arrancou-lhes os olhos
E nas cavidades horrendas pensou em jogar
Uma pá de limão com sal.

Cinderela e o príncipe, claro que sim,
Viveram felizes para todo o sempre.
Como Barbie e Ken num belo invólucro.
Nunca pensaram sequer em diásporas
Nunca discutiram sobre o leite derramado
Nem contavam o mesmo caso duas vezes.
Passavam bem longe da terceira idade.
Seus sorrisos congelados para sempre,
Como dois saudáveis gêmeos siameses.
Mas que estória!



Tradução: Beto Palaio

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