O Equilíbrio da Vida (TAO)


O excesso de luz cega a vista.


O excesso de som ensurdece o ouvido.

Condimentos em demais estragam o gosto.

O ímpeto das paixões perturba o coração.

A cobiça do impossível destrói a ética.

Por isso, o sábio em sua alma

Determina a medida de cada coisa.

Todas as coisas visíveis lhe são apenas

Setas que apontam para o Invisível.



(Tao-Te King, Lao-Tsé)




domingo, 28 de fevereiro de 2010

O Jardim da Morte

A Morte estava em seu imenso jardim a podar algumas roseiras, a aparar alguns arbustos, a arrancar alguns matinhos, quando, bem ao alto da imensa estufa de jardinagem, veio o som do alto-falante a chamar-lhe para atender a uma ocorrência. É que ela sempre estava de plantão; vivia de plantão. Como em todas as vezes, o chamado era urgente. Ela já sabia que aquilo ocorreria, estava de sobreaviso, e sua experiência profissional lhe permitia prever com certa antecedência o momento em que um cliente precisaria de seus serviços. Partiu veloz, passou por toda parentela que se encontrava à porta do quarto hospitalar do pobre ancião agonizante. Colocou-se lado a lado com os que se encontravam junto do velho, à beira do leito. Alguns a sentiram romper ao passar. Sentiram uma espécie calafrio que percorrera num segundo dos pés à cabeça, ou vice-versa; outros dizem ter sentido algo estranho, como um mau presságio, uma coisa ruim ou algo assim. O fato é que ela veio. Se demorou-se a chegar, se chegou rápido demais, nada disso tinha relevância. Na exata hora em que era para ela estar ali, ali ela estava. Nem uma fração mínima de segundo fora do que estava previsto no grande livro da vida. Ao chegar deparou-se com o ancião a lutar intensamente para deixar as dependências da carne. Era uma gemência sem pausa, uma respiração dificílima, agônica. Fadigado de tanto tentar desgarrar-se da aparência que conhecia por ser seu ser, sentiu enorme alívio ao ver a conceituada e infalível profissional do ramo que havia chegado.
Ao aproximar-se do homem ela lhe tocou nas feridas interiores com sua vasta experiência; coisa acumulada desde o primeiro protozoário que partiu, até o presente momento em que se encontrava ali naquele quarto de hospital. Arrancou o pobre homem de sua carcaça como quem retira uma carta de um envelope. Pediu-lhe que aguardasse num canto do quarto que as outras providências já estavam encaminhadas e partiu. Retornou para o seu jardim. Mas é claro que o sabor da manhã já havia mudado devido à interrupção do desfrute daquele dia ensolarado. Dizia ela, em sua intimidade, que as manhãs são como o café, se não são tomadas todas de uma vez ,do início ao fim, elas ficam frias e perdem o aroma e o sabor. Pensando dessa maneira, é claro que não era uma senhora muito bem humorada com seu ofício, de bem com a Vida por assim dizer, ela continuou suas podas.
*
Obs. Este texto foi originalmente produzido e postado por mim, em meu blog (http://jefhcardoso.blogspot.com), no dia 17.01.09. Achei que seria válido retomar a idéia, e numa releitura acabei reeditando e modificando algumas coisas (inclusive o título) que fizeram toda diferença para mim. Aos que leram o original eu espero que o apreciem nesta reedição, e aos que não leram espero que gostem como eu gostei.

6 comentários:

IVANCEZAR disse...

Excelente texto - Já estou cadastrado, minha parceira !

Anônimo disse...

Boa noite.
Ñ conheço o texto original,mas este é formidável.
Me parece um mulher bem fria,se aborreceu com a interrupção do seu dia mas se esqueceu q ainda terá oportunidades de ter outras manhãs,quanto ao pobre senhor já se retirava para seu descanço eterno.
Será q eu entendi?
Uma linda noite.
Beijokas.

Jeferson Cardoso disse...

Ivan, um feliz cadastramento para você. Sucesso e obrigado pelo comentário do texto! Abraço: Jefhcardoso.

Pérola, é isso. É exatamente o que o texto lhe disser (sorrio). Muito obrigado pelo comentário e um forte abraço: Jefhcardoso.

Ianê Mello disse...

Ivan ,

meu parceiro desde o início não poderia faltar.

Grande beijo.

Ianê Mello disse...

Jefh,
interessante como um mesmo texto está fadado a várias interpretações.

Na verdade, acho que só o próprio poeta pode interpretá-lo( se foi feito conscientemente), mas quando foi umas mensagem vinda de algum lugar( da parte escondida da alma, do nosso lado que desconhecemos, nossa sombra ou nossa luz),nem o próprio saberia interpretá-lo.


E essa é a grande beleza da poesia, ela pode fugir do real, criar nas pessoas a fantasia, à sua própria interpretação e , até mesmo, insirar-se para uma nova criação.


Belíssimo seu texto!

Parabéns!

Estou feliz em tê-lo aqui.


Beijo grande.

Jeferson Cardoso disse...

Ianê, alegria minha a de estar aqui. Depois de um ano dentro do meu blog começo a interagir na blogosfera e venho a integrar esta casa muito acolhedora. Tem sido uma experiência ótima. Obrigado pelas gentis palavras, e desculpas pela lentidão das respostas.
Abraço!

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