O Equilíbrio da Vida (TAO)


O excesso de luz cega a vista.


O excesso de som ensurdece o ouvido.

Condimentos em demais estragam o gosto.

O ímpeto das paixões perturba o coração.

A cobiça do impossível destrói a ética.

Por isso, o sábio em sua alma

Determina a medida de cada coisa.

Todas as coisas visíveis lhe são apenas

Setas que apontam para o Invisível.



(Tao-Te King, Lao-Tsé)




terça-feira, 30 de novembro de 2010

REVELAÇÃO

Pintura de Francine Van Hove



Ao contemplar-me
em traçados diversos
sinto meu corpo
a desnudar-se
na pureza dessa tela
e bela me imagino
no tempo que perpassa
e cada momento
único e sólido
em meus traços se revela
Em mim mesma
me refaço.



Ianê Mello


Faces conflitantes




Ao contemplar-me
Frente ao espelho
Rejeito o mais velho
Que olha pra mim.
Ele é enrugado
Tem um rosto cínico
Já não é mais começo
Está perto do fim.
Quem é esse cara
Que me olha na cara
E depois cabisbaixo
Resolve voltar?
É só um qualquer
Que esquece de si
E passa a vida inteira
A me procurar.
Quem é esse cara
Que agora me encara?



Jairo Cerqueira

Ao contemplar-me no espelho
tenho que ter generosidade
pois as marcas que aqui estão
são simples marcas da idade
que me passam despercebidas
pois com elas me acostumei
são longos dias de vida
reflexo de desencontros
de encontros e despedidas
de chegadas e muitas voltas
de algumas idas e vindas
E a revelação maior
não é no espelho refletida
são nas marcas que vão na alma
pelo que fiz da minha vida!


Nalva Araújo

Diálogo Poético  Ianê Mello/  Jairo Cerqueira/ Nalva Araújo

Em algum lugar nenhum

                                                 Pintura de Rene Magritte


Vou
Vou partir
pra algum lugar
lugar nenhum
onde a paz faça morada
onde respire liberdade

O corpo sente
e se ressente
A alma sangra
aflita
Faz-se necessária a ida
Pois ficar
é fenecer

Vou
deixo aqui amigos
bem querer
e mal querer
é a vida....

Para os que me tem amor
agradeço
Para os que apenas
projetaram em mim
os seu próprios desejos
lamento...

Sou apenas
o que sou
nada mais


Ianê Mello

Freedom to love



Basta um gesto
uma palavra mal dita
um tom impreciso
O amor é frágil...


Sabe, a dor
pode fazer estrago
quanto mais sofrido
o coração
for...


Amar não é posse
não é possuir o ser amado
Amar não é controle
não é coação


O amor é livre
e assim se revela
em flores e perfumes
em cores e sons


Deixe o amor amar
Deixe-o livre para amar
Assim, terás o amor
que tanto queres.




Ianê Mello

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

MERDA DE ARTISTA

Piero Manzoni "Merda d'artista "



O artista é proeza de piches
Gruda fetiches com frenesi
O toco do rabo do Totó é arte
No microondas esquenta píxeis
Ócio feito de metal corrosivo
A arte mora na mansão ao lado
Itens. Se lhe interessa enlatar
Onde o sacrifício do artista
Será sangue, suor e dejetos
A arte fica para mais tarde.

Tetos cravejados de pedras
Esculturas que parecem planar no ar
Paredes pintadas pela cidade
Piero Manzoni e sua lata
de conteúdo improvável
Arte que inova e se sobrepõe
Arte limpa, clean, politicamente correta
Arte que desperta o inconsciente
Arte que mente e inventa causos
Arte profana, "tapa na cara", sacana.

Rala a febre do feno no capim
Uma tessitura de representação
Cruza o mercado de arte assim
Longas filas na porta do método
Decididamente vanguardistas
Seguindo o rumo dos píncaros
Sagrados nos afazeres de barro
Mofados com a solidão de atelier
São Midas que repetem além
Espertos no traçar do artista.

Produção solitária e por vezes insana
Loucuras de mentes inquietas
Van Gogh, Dali, Frida Khalo
Expressões doridas de vidas
Um prato feito para Jung decifrar
O inconsciente coletivo ali expresso
Almas revestidas de coloridas tintas
Exposição e confronto, contraponto
com a linearidade e placidez de um Monet,
que por tal fato não tem menos valia
mas apenas difere e individualiza.

Encontra-se neste vernissage
Uma nova moda inventada
Como num canteiro palpável
Para apoiá-lo em prêmios-egos
Dos objetos que são de arame
Concreto, betume e implicações
De mentes em fragilidades
De montes que são transferíveis
Mediante a fé o artista mede
Dores que a arte defeca.

Escárnio, protestos, traumas, amores, dores
a arte se encarrega de suas manifestações
Telas, escrituras, esculturas, música
Arte mais pura e concreta, discreta e extravagante
Abstrata e inquieta, pulsante e liberta
Terra, cinzas, tintas, papel, cobre, tela, som
Transitar entre o céu e a terra, elevar o espírito
A arte como ofício do artesão que modela
em matéria, seja ela qual for, não importa
e nela transpõe muros da realidade.



Beto Palaio e Ianê Mello

domingo, 28 de novembro de 2010

A BOSTA É POP!


Minha poesia não é pra ser recitada em
Saraus ou Academias de Letras.
É pra ser lida, sentida
No fundo do estômago
No útero, no saco escrotal.
Minha poesia vem das ruas
Avenidas encardidas
Lamacentas
Limo, excrementos
Vômitos esverdeados
De quem tem sede de vida.
Minha poesia não é de métrica
Nem rima rica
A pobreza define e alimenta os versos
Tão indigestos que
Dão azia, caganeira
Larica.
Minha poesia é kirsh
Sem cores de Almodóvar
Tudo em preto e branco
Cadelas e cachorros não enxergam colorido.
Minha poesia é pop.
A Bosta é pop!
Todo mundo faz e
Cada qual a sua maneira.
Mais dura ou mais mole
Depende do que se comeu na véspera.
Minha poesia pode ser diluída
Na cerveja, na cachaça
Na garapa vendida na feira e
Mais dois pastéis
bem grandes
que possam caber perplexidade
e espanto.
Minha poesia está sempre indignada
Aterrorizada
Por tanta genialidade óbvia
Que só vive de conceito
Na pia batismal
Sacramentando o egoísmo e a sordidez;
O olhar míngua ao dar nome
ao próprio umbigo.
Minha poesia está sempre de olhos arregalados
Sem dormir a canção de Drummond
Que Me fez acordar para sempre.
Só a criança em Mim dorme
Porque há mais de um século está morta.
Minha poesia é feita do lixo!
Faz desmoronar o planeta insustentável
Empobrecido pelo ser humano
E seu medo de amar.

Meu poema é o dejeto que não se recicla!


Lou Albergaria
in O Cogumelo que Nasce na bosta da Vaca Profana

OUÇAM NA VOZ DE SAULO TAVEIRA:

AMOR EM ALQUIMIA

Pintura de André Massam

Carreguei-a no colo
A noviça era de ouro
Fogo no amor assoprei
O corpo dela fundiu-se
Totalmente em mim
Agora o mesmo ouro
Em nós tesouro infindo

 
Universo cósmico
Constelações estelares
Seres que se interligam
se complementam
e se fundem num só
Alquimia do amor


Temos o que colher
Sob parreiras de uvas
Cachos de doces ofertas
Beijos em puberdade
Nascentes seios fontes
Mãos deságuam caricias
Lábios aquecem o sol


Como Adão e Eva
saboreamos a maçã,
o fruto proibido,
e sob a macieira
deitamos nossos corpos
nus, em plena liberdade
enquanto a natureza
nos contempla

Ao fundir sublime metal
Espada polida e desperta
Corpo de ambas as folhas
Raízes, loas de sul a norte
Consome em nós o gozo
Do afeto reconquistado
Amor no cadinho sideral


Fusão mais que perfeita
Comunhão de almas
ancestrais
Corpos enraizados
na terra que os abriga,
mãe primeira, de todos
os seres viventes
Amor por ela abençoado



Beto Palaio e Ianê Mello


Na Alquimia do Amor
Há tanto fogo e ardor
P’ra conseguir a fusão
...De dois corpos nus e despertos
Em perfeita comunhão…
E o calor surge então
Sempre sujeito ao desejo
Que se transforma num beijo
Num cadinho sideral
Nesse afecto conquistado
Por baixo de um céu estrelado
Que cobre o bem e o mal
Numa fusão tão perfeita
De corpos enraizados
Nessa Terra que os abriga
De ventos e tempestades
E desse inferno de Hades …


No princípio, veio a treva
E logo Adão e Eva
Chegaram ao Paraíso
Mas o seu pouco siso
Ou a força do desejo
Acabaram todo o pejo
Que naquele jardim havia
E logo os dois à porfia
Em disputas e carinhos
E porque estavam sozinhos
Se entregaram ao Amor
Com tal e imenso ardor
Que nesse mesmo dia
Começou essa alquimia
Numa fusão sem igual
De corpos entrelaçados
Nesse doce amor carnal
Em que o prazer tão real
Fundiu por fim esse Graal
E assim nasceu o Amor…


Joaquim Vale Cruz

sábado, 27 de novembro de 2010

MARCA DE VACINA



Precisamos tomar cuidado
Para não deixar que se perca
Todo frescor da primavera
A juventude disposta a ficar
Eternamente em evidência
Nos outdoors de nossa cidade


Novo tempo de esperanças
vida que se torna um mistério
a cada dia que se passa
um novo horizonte
Quiçá borbulhas do champanhe
façam renascer antigos sonhos


Champanhe para o dia de hoje
Mais um ano novo na folhinha
Ao correr dos dias e noites
Acontece sempre nos relógios
Dilatando o tempo lá de fora
Para o feitiço dos vinte anos


Festa, festa... tudo é alegria
sem responsabilidades, sem medos
só ousadia e um querer infindo
quando o querer é poder
e o poder é ilimitado


Voilá! Este poema é a brisa
Sensível ao saltar de asa-delta
Um poema feito de jeans
Que anda na chuva e no frio
No tempo que se joga fora
Para raiar na marca de vacina


Juventude que o tempo dilui
nos dias, meses, anos que se passam
No tempo que escorre das mãos
Ficam as lembranças
e por vezes a vontade
de revivê-la novamente


Beto Palaio e Ianê Mello

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

DEIXA O POEMA EM PAZ

Pintura de Peter Gerasimon " Sea Turtle"


De ix aopoe ma pa z
Fa z cica triz de lê
Dor mir d e cós tas
Pa ra osigni fica do
Po ema am or e d or


Poe ma frou xo
lo u code rai va
Su jo de bar ro
po e maque n te
saí do dofor no
ren te decor te


Dei xaao mun do paz
Sob rehum anovi ver
Sua vê éanoi tenos as
Vi vaque mqui se r ir
O ufi que aquis emir

Vaga bunde ia vi da
i lume nado piri lampo
Bri lha co mofa rol
as cende ndo tu do
ca minho de l uz
es tre laque cin tila


Po etafin alme nte é
Co m ver so sob tusos
Agar rado sao dia rio
Pa z de ali nha rrio s
Tod osin doa obol so


Sol i dão no verse jar
Tem poque se fun de
bras as fla me jam
pos toque é cha ma
por si só quei ma
Cin zas setor nae jaz


Beto Palaio e Ianê Mello

AFORISMOS CRIADOS COM COR




Cor é consciência, o contrário é um nada, apenas uma quimera.

A vida sem cor seria cinza.

Toda cor está de visita.

A cor é a música dos olhos.

Melhor ser uma cor em ação do que uma cor em projeto.

A cor colore a vida.

Quando um camaleão encontra a cor, qual é a verdadeira cor?

Toda cor para existir precisa de olhos que a vejam.

Não existe ausência de cores. Possivelmente até o vazio absoluto, o nada, seja colorido.

Como existiria o arco-íris se não existissem as cores?

A cor nunca é desocupada, ela trabalha por si e para tudo que anuncia.

Para cada nota musical um tom, para cada cor uma nuance.

Habitamos a cor e somos cores.

A cor representa um estado de espírito.

Quando a cor é inventada, a verdade nunca é colorida.

A cor habita em tudo que nos rodeia.

A cor pura tem alma de fogo. Ela é puro incêndio.

O amor é cor que incendeia.

Cor é luz mais o olhar atento.

A escuridão é a ausência de cor.

Mas, afinal, o que é a cor sem a cor?

Será o branco o símbolo da paz por conter nele todas as cores?

Venham cores, fiquem à vontade, o pão e o vinho lhes serão servido!

Cores de amores, cores de flores, cores que representam sabores.



Beto Palaio e Ianê Mello

PARÊNTESES

 Pintura de Paul Delvaux


po u co a pou co
o amo r se es va i
cor re o mundo cor
mun do se m cor te
vi da se m dis sabor

o tem po pas sa
min u to a min u to
no a ab ra ço
que a dorme ce
só no le i to va zio
nos le n çóis des fe i tos

tu do jun to a da r
o ciú me doen ti o
ca da um a que fo i
ao it oro ró volt ou
sol te ira de no vo

o que e ra um
do is se to r na
vi das re pa r t idas
co r po s em so li dão
ca mi nhos que s e gu em

cer to d e tu do se r
fa zen da pa ra cri ar
se res ou nã o se res
um s fi cam pó r al i
ou tros vã o em bo ra

na t u ral e hu m a no
mo m en tos vi vi dos
são os que f i c am
ao che gar o f i m


Beto Palaio e Ianê Mello

ESTÓRIAS CURTAS

 
Pintura de Salvador Dali " Allegorie de soie"


Disseram, porém,
Quem é aquela moça
Que sobe as escadas
Assim tão descuidada
Deixando cair suas rosas?


Numa manhã de outono
folhas se espalham ao vento
formando imenso tapete
num farfalhar de pés
ao passearem sobre elas.


Por pouco nem chegou
A ser amor de verdade
Correram estórias mistas
Umas dizendo que sim
Outras dizendo que não.


Um casal de amantes
em beijos no banco da praça
constrangia aos passantes
que morriam de inveja
desse amor compartilhado.


 
O filme nem tinha graça
Eles sequer entenderam
Se a mãe da moça era vilã
Pois ela apareceu rapidinho
E logo saiu da trama da fita.


Menina tímida de olhar baixo
andava pelos cantos da murada
Cogitava-se o que seria
motivo de tamanha vergonha
seriam seus grandes olhos?


Beto Palaio e Ianê Mello

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

MUNDO VIRTUAL




VIRTUAL idade
Virtual
idade
Vir
  ir


Ianê Mello




















O amor chegou
Promessas de longevidade
Onde mais coubesse
Estórias simétricas
Resumos de inventados
Afetos e carinhos.

O amor sempre chega
com a suave brisa
preenchendo espaços
endossando promessas
estreitando laços
pleno em seus contornos.
O amor ficou
No presente do futuro
Tornou-se performático
Purpurinas com elos de ouro
Foi jogado à cova dos leões
Mas vence a tudo o amor.

O amor transpõe obstáculos
cria caminhos diversos
em sua doce presença
Árvore de fortes raízes
firme em seu solo
mas livre em seu voar.

O amor passou
Com naturalidade imposta
Rápido no não ter fim
Algo diminuiu o amor
Aos sortilégios adversos
Boca de sapo, dedos de ostra
O amor nem merecia isto.

 
E sua invencibilidade
finalmente foi deposta?
Crê-se em algo poderoso
e depois se vê o fim?
Pobre dele e pobre de mim
Vivi a ilusão que caiu por terra
Agora são só cinzas
o que fogo era.


Beto Palaio e Ianê Mello

BILHETE ANTIGO RETIRADO DA GAVETA CARCOMIDA DE UM MÓVEL ESQUECIDO NO SÓTÃO DE UMA FAZENDA DO VALE DO PARAÍBA




Respeitosamente me dirijo a ti para pedir-te apenas um olhar manso.
Amorosamente me dirijo a ti para exigir-te apenas um sorriso terno.
Calorosamente me dirijo a ti para enviar-te apenas um abraço forte.
Humildemente me dirijo a ti para lembrar-te que te lembres de mim.


Jane Chiese

UMA CARTA



(por Franz Kafka)

Sinto-me melancólico
Como num dia de chuva
Sua carta me fez pensar
Quando revela compaixão,
E sem que me contenha,
Vejo nisso algo arrogante.

Esta carta me edifica?
Ou quer me humilhar?
Argumentos algo difíceis
Com verdades incontestes
Embora num todo solene
De uma carta memorável

Porque algo ali manifesta
Um rol de preconceitos
Tocantes se justificados
E será mais tocante ainda
Se os preconceitos forem
Aclarados por danos iguais

Agora assumo este escrito
Como uma carta irrequieta
Num belo domingo matinal
Mas no fundo eu gostaria
Que essa especifica carta
Ficasse extraviada por aí.



(Adaptado de um texto em prosa de Kafka por Beto Palaio)

O NOME EM ESPIRITO


Pintura de Salvador Dali



 
Um nome apenas e se foi
Nem é mais nome nem nada
Pois o nome existe no valor
Do que o guardar se gaba
O nome é sol e renasce
Sempre renasce...

O espírito reluz no escuro
entre cinzas e sombras
no sótão empoeirado
no baú de lembranças
jamais esquecidas
Fingir é perder a consciência
No escuro todos os gatos
são pardos

Ocultos em uma passagem
Nomes que nos seduzem
Amigos de nunca afastar
A promessa de reafirmar
Um compromisso qualquer
Com o que haveremos
Com que possuiremos
De nosso, repartido.

Amigos ausentes
no tempo que passou
Nada restou a não ser
o álbum de fotografia amarelecido
Não, não acenda a luz, por favor
ela faz cegar a visão já acostumada
com o breu da solidão.

Divirtam-se, na flacidez
Do instante fugaz, eólico
Ordenadamente sendo
Ausência. Ao propósito
Do nome agir, irresoluto,
Lutar contra o nada
E às vezes vencer...

O caos provável restabelece
uma nova ordem improvável
e o que era irreal, real se torna
Transmutar a dor é ato de coragem
Vencer a escuridão da inconsciência
e enxergar na luz o ser primeiro
Libertar-se da escravidão
da cegueira das ilusões.


Beto Palaio e Ianê Mello

O DIA EM DESALINHO

                                                           


O dia nas horas sombrias
Segredos que ele conta
Dentro de cada aceitar
Que a santidade remói
Para descascar cebolas
E fazer a todos chorar

Dia de nuvens escuras
de céu carregado de chuva
Chove dentro do peito
em cada desfeito sonho
no abandono das horas
no tic-tac do tempo

Ocaso em momento puro
Ao revogar o uso do sol
Abusos de lusco-fusco
Do dia entrar na noite
E novamente vir refazer
Auroras boreais mortiças

Pôr-de-sol cor de fogo
assim seria em dia claro
mas em dias de sombras
tal sol já não se esconde
raro acinte em espetáculo
A noite vem sem aviso

Morre o dia em desalinho
Doa o sol em comichões
Tocha a dormir fogaréu
Dentro e fora de órbita
Lua indefesa perseguida
Cinza de luzes que chove

E a noite sobre nós recai
mais negra
sem estrelas e sem lua
que por detrás das nuvens
se escondem tímidas
sem dar o ar de sua graça

Beto Palaio e Ianê Mello
TARDE PARA PEIXES



Estamos nesse aquário
de uma grande cidade
como num viveiro tangível
para o habitar naufragado
dos carros que são massas
de peixes em procissão
mescla de quadras submersas
razão de sobra para fugir
em cardumes dispersos

Peixes que sobem ladeiras
Livres numa rede invisível
Cruzam pontes em longas filas
Decididamente infundadas
Seguindo o rumo dos recifes
Além do ronronar de motores
Aflitos com a solidão repartida
São peixes que refletem aquém
Ágeis soluços de pára-brisas

O homem mora dentro do peixe
Conformado numa calma lírica
O tocar monótono de buzinas
Nem os incomodam de fato
Na mansão de metais piscosos
Se lhes secam a alma o enlatar
Onde em anchovas se tornam
Múmias inermes à competirem
Com o afogar solitário das horas


Beto Palaio

DOMINGO COM SHERAZADE

 








extremos
cantemos
fazemos
cedros voláteis
durezas macias
o amor em pontes
por baixo
por cima


inteiros
certeiros
canteiros
flores de algodão
pétalas sutis
beleza em olhos
em torno
em busca


maravilha
domingo
camaleão
Sherazade
quase nua
no sótão
no alpendre
na cama


delícia
entrega
comunhão
nudez
em intimidade
no sonho
na vida
no espírito


somos dois
flutuamos
acima do parque
enquanto
do alto vemos
maçãs do amor
tão lindamente
ofertadas


oníricos
presentes
do firmamento
em oferendas
divinas
irrecusáveis
vívidas
iluminadas



Beto Palaio e Ianê Mello



.

A ROSA ENTRE IGUAIS





O coração bate outonos
Nunca mais, diz ele
A transbordar folhas
Em dilúvio, na roseira
A rosa suporta tudo
Ventos e tempestades
Em seus verdes ombros


Em seu despetalar
outra flor em botão
que se abre primaveril
Em terra fértil novos brotos
germinam de sol a sol
num eterno resplandecer
da natureza


Há memórias escritas
Em sentimentos raros
Como o sol que aquece
Pétalas soltas no cacho
Do que se chama rosa
Seu todo algo palpável
Linda canção de carmins


Violetas e jasmins,
em conviivênncia harmônica
no jardim do éden,
paraíso dos amantes
Terra que produz frutos
colhidos com mãos de afeto


Dá até para acreditarmos
Num romance de palavras
Ditas ao acaso para a rosa
Escoltada por outras flores
Mágico jardim da perfeição
Ao brilhar além dos botões
Em tonalidades arrebatadas


Ou quem sabe num buquê
ofertado à amada
de rosas encarnadas
ou de flores silvestres
numa declaração de amor natural
adornando um belo jarro
até desfolharem suas pétalas






Beto Palaio e Ianê Mello
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