MERCADO DO PORTO (Um cego canta até arrebentar)
manhã cinzenta
como chove nessa ausência de vento!
o mercado é encardido fétido
peixes quase podres, o hálito
das entranhas dos homens odres
suores de três dias no sovaco da camisa e
manchas amarelas - estampa na cueca.
a cachaça é farta até o próximo salário a
nicotina impregna nas artroses entre os dedos.
manhã marrenta
porre e falta de argumento!
nas calçadas e prédios antiestéticos
meus olhos subjetivos esmiúçam cálidos
as faces que expressam a síndrome do enxofre
sem trégua, a mão que o alisar desconhece intriga o
verbo inexistente num dia de merda.
o modo é indicativo o tempo presente tudo necessário para a
força de escape fazer-me fugir do degredo.
manhã sonolenta
por dentro da estufa do dia chovendo!
lava as mãos imóveis dos santos de tédio
reflete a angústia de olhares infantis pálidos
nas cordas de aço que vibram ganem sofrem as
almas são ostras herméticas, nas torres
toda a esperança de um cheque mate forever.
ver a serpente fugir do canário e
a poesia domar esse coração-torpedo.
*subtítulo: verso da canção A Página do Relâmpago Elétrico, by Beto Guedes & Ronaldo Bastos
Orlando Costa Filho
Crédito de Imagem: Caspar David Friedric
PARCA MANHÃ
...e na manhã cinzenta e pálida
versos que perpassam o tempo gélido
cores esmaecidas encharcam olhos
frio que enrijece a espinha
densa corda a amarrar sentidos
estremecidos em suores que afloram
pobre manhã de sabores ocres
azedume e olores enchem o ar
de solidões cansadas e eternas
macerados sentimentos no acomodado
e o mais é silêncio e dor
na aspereza de seres que se perdem
em seus rostos marcas de uma vida
em seus olhos pontes de saudades
em seus corpos desejos inconfessos...
Ianê Mello
Crédito de Imagem: Andrew Wyeth
Nenhum comentário:
Postar um comentário