O Ovo de galinha
João Cabral de Melo Neto
Ao olho mostra a integridade
de uma coisa num bloco, um ovo.
Numa só matéria, unitária,
maciçamente ovo, num todo.
Sem possuir um dentro e um fora,
tal como as pedras, sem miolo:
é só miolo: o dentro e o fora
integralmente no contorno.
No entanto, se ao olho se mostra
unânime em si mesmo, um ovo,
a mão que o sopesa descobre
que nele há algo suspeitoso:
que seu peso não é o das pedras,
inanimado, frio, goro;
que o seu é um peso morno, túmido,
um peso que é vivo e não morto.
Alguns ovos são mais doloridos ou E se as galinhas abortassem?
Marcelino
Alguns ovos são mais doloridos
em que pese a beleza estampada
em pintados e bem comportados ninhos
em que pese o romantismo avisceral
dos que os procuram em revistas, telas, poesias:
vermelhos, marrons,amarelos, brancos, limpos.
João Cabral de Melo Neto
fala de sua esférica ideal
poeta sobre a geometria do ovo,
como se fosse um galo inequívoco,
olha para o branco, a casca, o duro, o novo
mas não dá fé numa lágrima pequenina
cristalina lembrança nos olhos da galinha
-de que aquela não fora experiência das mais bem sucedidas...
Um ovo só é notório para os seus comensais
para um galo, pai seu discutível,
ou para algum pinto saudoso de oval proteção,
para a mísera, mesquinha galinha, não!
Um ovo é um parto e um estupro
sai o branco do quente escuro?
claro, o duro não sai puro
mas fétido, lacrimoso, destrutível, imundo
rasgando o desejo da galinha:
continuar viva, útil, produtiva.
Essas galinhas poderiam insurgir-se
ficar indignadas, putas da vida
putas galinhas, galinhas, putas, mesquinhas
a chorar suas dores, suas dilatações porque
cada ovo é menos um
cada parto é menos um dia
cada estupro é menos uma vida
dessa mísera, frágil, franzina.
Estreitada a um canto do quintal
Ei-la lamentando sua sina
a olhar seu galo empavonado
crista alta, egocêntrico,
qual poeta que conhece tudo
sem nada sentir.
5 comentários:
Marcelino, tu és porreta a dar com o pau, cabra da peste!
Que poema fodido de bom, cara!
Nossa, dialogar com você e João Cabral não sei se devo me atrever. Talvez um dia, talvez depois... ou nunca...
quando parir ovos alados de crista e veludo que torne o meu grito menos sufocado e meu gemido absoluto!
Bravo, poeta! Rendo-me a ti! És grande!
aplausos...
Beijo!
O poema de João Cabral, é inigualável.
"
que seu peso não é o das pedras,
inanimado, frio, goro;
que o seu é um peso morno, túmido,
um peso que é vivo e não morto."
Um ovo nunca foi tão bem interpretado. É um alimento que já nasce pronto.
Aplausos ao engenheiro João Cabral!
Beijos
Mirze
Lou Albegaria e Mirze, queridas poetas, que tal conversar também com o pernambucano/madrileño mais ilustre de nossa literatura?
DIALOGAR COM CABRAL É DIFÍCIL. POR ELE SER O MELHOR, O MAIS SOFISTICADO POETA DO TEMPO DELE.
MARCELINO, TIVESTE CORAGEM. FOSTE BEM. PARABÉNS.
LOU, FALTOU O RESTO DO POEMA, ONDE ELE BARBARIZA COMPARANDO UM OVO COM REVÓLVER E BALA.
PARA MIM TODO POETA TEM DE SER FILÓSOFO. CABRAL ERA.FILOSOFIA É A BUSCA DA VERDADE ESSÊNCIAL, PRIMEIRA. DE DEUS.
A FILOSOFIA POÉTICA É A MAIS POTENTE E FILOSÓFICAE REAL DAS VERDADES. PODE A VERDADE SER IRREAL?
PODE. UMA VERDADE INÚTIL, CULPOSA,APLICADA SEMPRE AO OUTRO É UMA MENTIRA EM CORPO DE VERDADE.
QUANDO CABRAL FALA DO OVO É SUAS "VERDADES" ELE SABE QUE PODE (VENDO OUE TODOS VÊEM, SABENDO DO QUE TODOS SABEM) DIZER DO DEFUNTO "COISAS NÃO MORTAS DE TUDO". TUDO DITO NO POEMÁ É VERDADE SENTIDA. DITA COMO SE A VEDADE TOMASSE CORPO.É ESSA A MISSÃO DO POETA: DAR CORPO A VERDADE EM UMA LINGUAGEM DE SONHO.
UM OVO DE GALINHA PODE SER POEMA SIM. SE HOUVER NO POEMA A COMUNICAÇÃO ENTRE OSONHO DO POEMA E A PARTE CORPO DELE.
PRA TERMINAR RECORRO A UM OUTRO POEMA DE MESTRE PERNAMBUCANO/MADRILEÑO DE NOSSA LITERATURA. NO "O CÃO SEM PLUMAS" ELE ESCREVE: "PORQUE AQUELÁ ÁGUA PARECIA MADURA? PORQUE SOBRE ELA IAM COMO QUE POUSAR MOSCAS?"
É ISSO, NENHUM É MADURA, NEM POUSAM MOSCAS SOBRE ÁGUAS. MAS AO PASSDAR PELO RIO CAPIBARIBE (AGORA ME ARREPIEI) SINTO COM UMA FORÇA IMENSA QUE O POETA NÃO FALA DE UMA FÁBULA. QUE MOSTRA APENAS O QUE EU QUIS SEMPRE DIZER DAQUELE RIO, MAS NÃO PODIA, OU NÃO SENTIA O SENTIR QUE COM QUE OS GRANDES POETAS PODEM.
PARABÉNS AO DIÁLOGO.
BEIJO NAS MENINAS E UM ABRAÇO EM VOCÊ.
Amigo Marcelino, ousaste ao dialogar com João Cabral e o fizeste com maestria.
Como falar do ovo pode ser poético?
Aí está. Tudo pode se tornar poesia nas mãos de um grande poeta.
Você nos mostrou que isso é possível, não só à João Cabral.
Parabéns e grata pela presença nos diálogos.
Beijos.
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